quinta-feira, 6 de maio de 2010

GÍRIAS dos tempos de nossos avós

Vocabulário diversificado

Andar na moda é uma questão de “sobrevivência social” para muitos de nossos alunos. De alguma forma, já é de conhecimento deles que na língua também há formas de falar que são consideradas absolutamente inadequadas para quem deseja passar uma imagem de jovialidade e ganhar o respeito em meio a um grupo de colegas na escola, por exemplo.

Tendo este conhecimento como base, o professor poderá explicar para os alunos as mudanças sofridas pela língua durante os anos. A língua é viva e, como tudo o que é vivo, sofre mudanças no decorrer do tempo.

Ao ensinar sobre as mudanças ocorridas no vocabulário e em algumas expressões que devem ou não ser empregadas em determinados ambientes, o professor tem a chance de diminuir a resistência aos estudos que o aluno normalmente tem.

Isto porque pode ser evidenciado que é necessário documentar a língua, de modo que futuras gerações possam conseguir estudar nosso tempo e, também, para a manutenção de conhecimentos e experiências que com o tempo e as inovações poderão ser aperfeiçoadas. Sem uma padronização da língua, tudo isso pode sofrer ônus.

Explique que mesmo havendo diferenças regionais, as quais são todas corretas e dignas de respeito e de admiração como variante de uma mesma língua, é preciso algum tipo de padronização da forma de se falar e escrever, de forma que o que se fala em São Paulo possa ser compreendido no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul etc.

Através de explicações semelhantes a essas, o aluno pode entender um pouco da lógica de se estudar tantas regras na língua portuguesa. Para se ter noção da dimensão do mundo linguístico, apresente aos seus alunos alguns exemplos de expressões que em alguns determinados momentos já foram muito utilizadas.

Observe abaixo, uma lista com 50 gírias e à frente de cada uma o seu significado. Esta lista foi extraída do site “Só Português” (http://www.soportugues.com.br/secoes/curiosidades/girias_antigas.php):

À beça ― Pra caramba.

Bacana ― Bom, bonito.

Barato ― Excelente.

Barra limpa ― Fora de perigo.

Batuta ― Algo ou alguém legal.

Beca ― Roupa elegante.

Bicho ― Amigo.

Boa pinta ― Pessoa de boa aparência.

Bode ― Confusão.

Borocoxô ― Tristinho.

Botar pra quebrar ― Causar, acontecer.

Broto ― Mulher jovem e atraente.

Bulhufas ― Absolutamente nada.

Cafona ― Fora de moda.

Carango ― Carro.

Careta ― Pessoa conservadora.

Chapa ― Amigo.

Chato de galocha ― Pessoa muito irritante.

Chocante ― Legal.

Dançou! ― Perdeu!

Dar no pé ― Ir embora.

De lascar ― Situação complicada, difícil.

Do arco da velha ― Algo antiquado.

Dondoca ― Mulher da alta sociedade.

É fogo! ― É difícil!

Estourar a boca do balão ― Arrasar, extrapolar.

Fichinha ― Algo fácil.

Gamado ― Apaixonado.

Grilado ― Preocupado.

Ir na onda ― Acompanhar.

Joia ― Legal.

Pão ― Homem bonito.

Patavinas ― Absolutamente nada.

Patota ― Turma, galera.

Pé de valsa ― Indivíduo que dança bem.

Pega leve! ― Devagar!

Pindaíba ― Sem dinheiro.

Pintar ― Aparecer.

Pode crer! Acredite!

Pombas! ― Expressão que denota surpresa ou indignação.

Pra frente ― Moderno.

Quadrado ― Conservador.

Sacou? ― Entendeu?

Serelepe ― Alegre.

Supimpa pra dedéu ― Algo muito legal.

Transado ― Com visual bonito, moderno.

Traquinas ― Criança aprontona.

Tutu ― Dinheiro.

Um estouro! ― Algo grandioso.

Chuchu beleza! ― Tudo bem!

Somente por meio desta lista já podemos ter noção da flexibilidade de nossa língua-materna. Ao trabalhar este assunto, o professor pode solicitar auxílio de seus alunos para atribuírem o significado ou as variantes de significado de cada expressão. O professor também pode sugerir que seus alunos façam uma pesquisa com seus avós, pais e familiares e conhecidos mais velhos, de maneira a eles próprios elaborarem uma lista de modificações que muitas expressões sofreram com o passar dos anos. Vale a pena investir neste assunto!

Erika de Souza Bueno
http://www.planetaeducacao.com.br/portal/artigo.asp?artigo=1827

Profa Ms Claudia Nunes

quinta-feira, 29 de abril de 2010

PRECISÃO e ADEQUAÇÃO VOCABULAR

Postado por Sérgio Nogueira em 21 de abril de 2010 às 12:20

1. MESMO ou IGUAL? e TODA ou TODA A?
A frase é: “O Ministério da Agricultura vai receber a mesma verba do Ministério dos Transportes.”
O correto seria: “O Ministério da Agricultura vai receber uma verba igual à do Ministério dos Transportes.”

Muitos pensam que MESMO e IGUAL são palavras sinônimas. Estão enganados: MESMO é “um só”; IGUAL é “outro”.
Neste exemplo, se os dois ministérios fossem receber a MESMA verba, significaria que essa verba seria dividida entre os dois. Isso não é verdade. O autor queria dizer que a verba de um era IGUAL à do outro, ou seja, duas verbas de MESMO valor.
Se você não entendeu a diferença, faça a seguinte experiência: coma um pão igual ao do dia anterior e depois o mesmo pão do dia anterior. Aquele que já estiver duro é o “mesmo”.
Se, mesmo assim, você ainda não percebeu a diferença, dou-lhe uma última chance: “dormir com a MESMA MULHER toda noite é o mesmo que dormir com uma MULHER IGUAL toda noite?”

Por falar no assunto, não esqueça que “dormir TODA noite” é diferente de “dormir TODA A noite”. “TODA noite” significa “QUALQUER noite”; “TODA A noite” é “a noite INTEIRA”.
Portanto, querida amiga, se você beija “todo colega de trabalho”, cuidado para não beijar “todo o colega de trabalho”.

2. REVERTER ou INVERTER?
A frase é: “Parreira vai substituir Rivaldo por Juninho para reverter o resultado.”
O correto seria: “Parreira vai substituir Rivaldo por Juninho para inverter o resultado.”

REVERTER significa “voltar ao que era”; INVERTER significa “mudar para o oposto”.
Se estamos perdendo por 1 x 0 e queremos REVERTER o placar, na verdade estamos querendo “anular o gol adversário” e voltar ao 0 x 0.
Se o nosso desejo, entretanto, é a vitória, queremos é INVERTER (passar da derrota para a vitória).
“Reverter o quadro político” significa “voltar ao sistema anterior”.

3. AO INVÉS DE ou EM VEZ DE?
A frase é: “O carioca foi ao shopping ao invés de ir à praia.”
O correto seria: “O carioca foi ao shopping em vez de ir à praia.”
AO INVÉS DE significa “ao contrário de”. Só deve ser usado quando houver ideia de “oposição”: “Entrou à direita ao invés da esquerda”; “Subiu ao invés de descer”.
Se a ideia for de “troca, substituição”, devemos usar EM VEZ DE (=em lugar de).
É interessante observar que não há restrições quanto ao uso de EM VEZ DE. Nós poderemos usá-lo mesmo quando houver a ideia de oposição. Portanto, se você quer facilitar a sua vida, use sempre EM VEZ DE: você jamais correrá o risco de errar.

4. COISA ou ???
Vocês já viram coisa mais genérica que a palavra COISA.
COISA substitui qualquer “coisa”. Faltou sinônimo, lá vai a COISA. Já virou até verbo: “Eles estão COISANDO”. Que será que estão fazendo?
COISA é um substantivo que tem até superlativo (que é privilégio dos adjetivos): “Não falei COISÍSSIMA nenhuma”.
Tudo isso me faz lembrar uma matéria que li sobre um fiscal da caderneta hipotecária de um grande Banco. Dizem que isso ocorreu no interior do Paraná. Certo fazendeiro pediu um grande empréstimo ao Banco para fazer melhorias em sua propriedade. Antes de quitar a dívida, morreu.O Banco, quando soube da morte, mandou o nosso fiscal, que era conhecido como “o rei do relatório”. Chegando à fazenda do falecido, ficou satisfeito ao constatar que a viúva continuara a obra do marido, que o dinheiro estava bem aplicado e que o Banco não corria riscos. Voltou à sua cidade, e escreveu no seu relatório: “O fazendeiro realmente tinha morrido, mas a mulher mantinha a coisa em pleno funcionamento”.

Lá sabe Deus que “coisa” é essa!…

5. DE ENCONTRO A ou AO ENCONTRO DE?
A frase é: “Qualidade é ir de encontro às expectativas do cliente.”
O correto é: “Qualidade é ir ao encontro das expectativas do cliente.”

Nossos consultores de Qualidade, com muita frequência, cometem esse erro. Essa qualidade eu não quero! O que nós temos aqui é um verdadeiro choque. Ir de encontro a significa “ir contra as expectativas do cliente”; ir ao encontro de significa “ir a favor, estar de acordo, atender às expectativas do cliente”.
Responda rápido: Um bêbado “caminhando”, com uma garrafa de cachaça na mão, vai de encontro ao poste ou vai ao encontro do poste?
Se você respondeu “tanto faz”, acertou. Mas não esqueça a diferença: se o bêbado vai de encontro ao poste, temos um choque; se ele vai ao encontro do poste, temos um “abraço” e uma garrafa salva – o que é muito importante.
Resumindo: DE ENCONTRO A = ir contra; AO ENCONTRO DE = ir a favor.

Um forte abraço. Até a próxima.

A NÍVEL DE ou??? e ENQUANTO???

(continuação)

6. A NÍVEL DE ou ??? e ENQUANTO???
A frase é: “Este fato a nível de política foi um desastre.”
É mais adequado: “Este fato em termos políticos foi um desastre.”

Nos últimos anos, a expressão A NÍVEL DE tornou-se “a estrela maior” da fala de nossos políticos e executivos em geral. Muitos ainda a usam e, provavelmente, julgam que estão falando “bonito e correto”. Grande asneira! A NÍVEL DE é modismo. O que existe é EM NÍVEL, mas só podemos usar quando houver a ideia de “níveis”. Por exemplo: “Este caso só será resolvido em nível federal” (poderia ser no nível estadual ou municipal).
Você afirmar que “um determinado problema da sua empresa só será resolvido em nível gerencial” está correto, pois deve haver outros níveis hierárquicos dentro da sua empresa.
Agora … “Somente eu, ENQUANTO pessoa, A NÍVEL de ser humano, sou capaz de resolver os nossos problemas.” Isso é demais! Se não bastasse o A NÍVEL DE, ainda temos que aguentar o ENQUANTO? É outro caso de uso inadequado das palavras.
ENQUANTO é uma conjunção subordinativa que tem a ideia de tempo simultâneo: “Ela trabalha enquanto ele dorme.” Pelo visto, o autor da frase acima não é capaz de resolver nem seus próprios problemas linguísticos, quanto mais os problemas da empresa.

7. PREVER ou DETERMINAR?
A frase é: “Ele conseguiu uma liminar prevendo a sua reintegração.”
É mais adequado: “Ele conseguiu uma liminar determinando a sua reintegração.”

Não é uma questão de previsão (=ver antes). Qualquer liminar é uma ordem a ser seguida, portanto ela determina.
Com muita frequência ouvimos ou lemos frases do tipo: “Ele entrou com uma liminar…” Na verdade, ninguém “entra com uma liminar”. O que nós podemos fazer é entrar com um pedido de liminar. Para quem não sabia: liminar é algo que o juiz concede ou não. Liminar se pede e o juiz concede ou não. Assim sendo, essa história de “entrar com uma liminar” é impossível. E, se o juiz conceder liminar favorável, é redundante (se o juiz concedeu a liminar, só pode ter sido favoravelmente).

8. ACATAR ou ACOLHER?
A frase é: “O juiz acatou uma ação…”
A solução é: “O juiz acolheu uma ação…”

Acatar e acolher não são palavras sinônimas. Um juiz acolhe uma ação, e não acata. Acatar significa “obedecer”. Portanto, não é o juiz que acata, e sim nós que acatamos a ordem de um juiz.
Dizer que “um juiz deu um parecer” também deixa qualquer juiz chateado com a nossa ignorância. Quem dá parecer é advogado, consultor, perito… Juiz não dá parecer, juiz decide.

9. RENDER ou CUSTAR?
A frase é: “A nudez rendeu-lhe um processo.”
O mais adequado é: “A nudez custou-lhe um processo.”

O verbo render tem carga positiva. É, portanto, inapropriado usarmos o verbo render com a palavra processo, que tem carga negativa. Seria apropriado se a tal “nudez lhe tivesse rendido uma pequena fortuna”.
Vejamos mais algumas combinações inadequadas que devemos evitar: “Ela teve o privilégio presenciar o crime…”; “Os antigos prisioneiros terão a alegria de se reencontrar para lembrar os anos de sofrimento”; “Um acidente fatal deixou o saldo de três mortos e cinco feridos”…
Imagine a seguinte situação: um jornalista fazendo uma reportagem a respeito de um grande acidente aéreo. Muitas mortes e muita gente ferida. Alguns em estado gravíssimo. O repórter, na UTI de um grande hospital, consegue entrevistar um sobrevivente. Aí “solta a pedrada”: “Este aqui teve a sorte de só perder a perna esquerda”. Se compararmos a situação do sobrevivente com os demais, daria até para entender a frase do nosso repórter. Mas, que é de mau gosto, isso é. Na verdade, ele teve a sorte de sobreviver.

10. ARRUINADO ou DESTRUÍDO? e COMPLEMENTAÇÃO ou SUPLEMENTAÇÃO?
A frase é: “O incêndio deixou o aeroporto totalmente arruinado.”
É melhor: “O incêndio deixou o aeroporto totalmente destruído.”

Arruinado não é bem ficar “em ruínas”. Arruinado ficou quem foi levado “à ruína”, ou seja, quem perdeu tudo, quem perdeu todos os seus bens, quem perdeu toda a sua riqueza. No Rio de Janeiro, tivemos um triste caso de um prédio destruído que deixou muitas famílias arruinadas, mas o dono da construtora…
Confundir complementação com suplementação também pode causar algumas dores de cabeça. Complementação é “aquilo que complementa, aquilo que completa”. Suplementação é “um extra, um adicional”. Receber a complementação do 13º salário significa receber a segunda parte. Uma suplementação salarial seria um 14O salário por exemplo. Num jogo de futebol, a etapa complementar é o segundo tempo; uma etapa suplementar seria uma prorrogação. Qual é diferença entre uma verba complementar e uma suplementar? Verba complementar é a última parte daquela verba que já estava prevista. Verba suplementar é aquela verba extra, não prevista, que lá sabe Deus de onde sai.

bjos Claudia Nunes

sexta-feira, 23 de abril de 2010

VÁRIAS FORMAS DE CONTAR UMA HISTÓRIA

Se a história do Chapeuzinho Vermelho fosse verdade, como ela seria contada na imprensa do Brasil?

Veja as diferentes maneiras de contar a mesma história.

Jornal Nacional
(William Bonner): 'Boa noite. Uma menina chegou a ser devorada por um lobo na noite de ontem...'
(Fátima Bernardes): '...mas a atuação de um lenhador evitou a tragédia.'

Programa da Hebe
'...que gracinha, gente! Vocês não vão acreditar, mas essa menina linda aqui foi retirada viva da barriga de um lobo, não é mesmo?'

Cidade Alerta
(Datena): '...onde é que a gente vai parar, cadê as autoridades? Cadê as autoridades? A menina ia pra casa da vovozinha a pé! Não tem transporte público! Não tem transporte público! E foi devorada viva... um lobo, um lobo safado. Põe na tela, primo! Porque eu falo mesmo, não tenho medo de lobo, não tenho medo de lobo, não!

Superpop
(Luciana Gimenez): 'Geeente! Eu tô aqui com a ex-mulher do lenhador e ela diz que ele é alcoólatra, agressivo e que não paga pensão aos filhos há mais de um ano. Abafa o caso!'

Globo Repórter
(Chamada do programa): 'Tara? Fetiche? Violência? O que leva alguém a comer, na mesma noite, uma idosa e uma adolescente? O Globo Repórter conversou com psicólogos, antropólogos e com amigos e parentes do Lobo, em busca da resposta. E uma revelação: casos semelhantes acontecem dentro dos próprios lares das vítimas, que silenciam por medo. Hoje, no Globo Repórter.'

Discovery Channel
Vamos determinar se é possível uma pessoa ser engolida viva e sobreviver.

Revista Veja
Lula sabia das intenções do Lobo.

Revista Cláudia
Como chegar à casa da vovozinha sem se deixar enganar pelos lobos no caminho.

Revista Nova
Dez maneiras de levar um lobo à loucura na cama!

Revista Isto É
Gravações revelam que lobo foi assessor de político influente.

Revista Playboy
(Ensaio fotográfico do mês seguinte): ' Veja o que só o lobo viu'.

Revista Vip
As 100 mais sexies - desvendamos a adolescente mais gostosa do Brasil!

Revista G Magazine
(Ensaio com o lenhador) 'O lenhador mostra o machado'.

Revista Caras
(Ensaio fotográfico com a Chapeuzinho na semana seguinte): Na banheira de hidromassagem, Chapeuzinho fala a CARAS: 'Até ser devorada, eu não dava valor pra muitas coisas na vida. Hoje, sou outra pessoa.'

Revista Superinteressante
Lobo Mau: mito ou verdade?

Revista Tititi
Lenhador e Chapeuzinho flagrados em clima romântico em jantar no Rio.

Folha de São Paulo
Legenda da foto: 'Chapeuzinho, à direita, aperta a mão de seu salvador'. Na matéria, box com um zoólogo explicando os hábitos alimentares dos lobos e um imenso infográfico mostrando como Chapeuzinho foi devorada e depois salva pelo lenhador.

O Estado de São Paulo
Lobo que devorou menina seria filiado ao PT.

O Globo
Petrobrás apóia ONG do lenhador ligado ao PT, que matou um lobo para salvar menor de idade carente.

O Dia
Lenhador desempregado tem dia de herói

Extra
Promoção do mês: junte 20 selos mais 19,90 e troque por uma capa vermelha igual a da Chapeuzinho!

Meia hora
Lenhador passou o rodo e mandou lobo pedófilo pro saco!

O Povo
Sangue e tragédia na casa da vovó.

Correio da Bahia e TV Bahia
Menina usando um chapeuzinho vermelho é atacada por um lobo e não consegue atendimento em nenhum hospital do Estado. Governador Wagner não se manifesta

bjos Claudia Nunes

segunda-feira, 19 de abril de 2010

PROCESSO DE CRIAÇÃO LITERÁRIA

PROCESSO DE CRIAÇÃO LITERÁRIA
(ou, uma reflexão sobre a arte da escrita)

por Obed de Faria Junior
http://portalliteral.terra.com.br/artigos/processo-de-criacao-literaria-ou-uma-reflexao-sobre-a-arte-da-escrita

I – Introdução

Se a fala é um dos aspectos que nos distinguem como seres mais evoluídos no reino animal, certamente, isso não se dá pelo ato em si de comunicar-se por signos e símbolos sonoros - até porque muitos animais também se comunicam com sons. O que releva é que temos o tal raciocínio inteligente; somos seres racionais e pensantes e nossa comunicação oral nada mais é que um reflexo disso. Ela é um complexo e maravilhoso sistema que permite a interação entre os seres desta nossa imperfeita espécie.

Nesse contexto, o desenvolvimento da escrita é um avanço e tanto e, considerando o tempo desde que nós primatas começamos a andar em pé, é uma inovação relativamente recente. Desde o homem pré-histórico, que registrou suas impressões em toscos grafismos rupestres, passando pelos hieróglifos nas pirâmides até chegarmos aos alfabetos de várias culturas e povos, essa evolução tem uma história muito interessante.

De qualquer forma, o que é de interesse, aqui, é que o homem não prescinde de interação com outros de sua espécie, não só porque seja um animal social e político, mas em função da própria preservação da dita espécie, posto que necessita transmitir por tradição o acúmulo de experiências de uma geração a outra. Além disso, desde o primeiro bisão pintado com lascas de carvão nas paredes de uma caverna ancestral, o que move o ser humano a registrar os fatos que ocorrem à sua volta e em seu ânimo interno é uma compulsiva necessidade de contar alguma coisa que, enfim, deixe a marca de sua identidade para o resto do mundo e pelo curso das eras.

Traduzindo em poucas palavras, nós escrevemos porque precisamos nos comunicar com outras pessoas e, ainda, padecemos dessa incontida necessidade de dizermos algo a respeito de nossas impressões sobre o universo.

É no bojo disso que, em algum lugar, a arte da escrita se insere e sobre esse nicho em particular da manifestação humana é que se pretende dizer alguma coisa - até porque eu também tenho a compulsão de dizer minhas impressões ao resto dos seres. Só estou rabiscando meus bisões.

II – Criações literárias artísticas e não artísticas

Em princípio, qualquer registro escrito pode ser considerado como literatura, na medida em que tudo que se escreve, obviamente, tem o objetivo de ser lido. Contudo, o processo de criação literária que aqui se aborda, visa tratar daquilo que possa ser considerado como obra artística; vale dizer, fala-se da literatura enquanto arte.

É um tanto quanto intuitivo distinguir-se o que seja literatura artística do que não seja.

Um relatório técnico sobre qualquer área do conhecimento humano, um manual de primeiros socorros, uma bula de remédio etc, por certo, são facilmente identificáveis como literatura não artística. Note-se que esse tipo de registro escrito, em princípio, se vale de metodologias para serem estruturados, já que há uma lógica seqüência que induz à formulação de proposituras que são pré-requisitos para o que, na seqüência, se pretende desenvolver e, enfim concluir.

Por outro lado, há os registros escritos de natureza informativa, tais quais notícias jornalísticas, textos didáticos e outros que tais. Alguns têm o condão de trazer à luz a informação sobre o que acontece – ou aconteceu – em nossa realidade e outros são meios de transmissão da informação que represente conhecimento acumulado.

Por fim, há o que se poderia qualificar como essencialmente artístico e é, justamente nesse ponto onde as coisas já não são tão evidentes quanto possa parecer. Qual o objetivo da arte? Filósofos e pensadores já se contorcem em suas elucubrações há milênios tentando definir uma resposta para isso.

É evidente que a arte visa a provocação de estímulos emocionais – e todo mundo ri, chora, se assusta, se comove etc, a partir de obras artísticas. Da mesma forma, a arte instiga à reflexão filosófica, cutucando a consciência de quem com ela tome contato, levando os seres a revisar e repensar seus conceitos e formas de comportamento – e todo mundo, admita ou não, tem um filósofo dentro de si. Não diferentemente a arte se presta ao entretenimento, vez que pode ser voltada a gerar prazeres e sensações agradáveis para quem dela se valha para preencher parcelas desta nossa vivência humana.

Entretanto, se é possível identificar minimamente uma obra artística pelos efeitos que gere – e eu, certamente, não cheguei nem perto de esgotar uma possível lista – não é tão simples assim definir-se se uma obra é artística ou não porque, enfim, isso passa pelo crivo de um aspecto subjetivo dos mais insondáveis, no caso, o gosto. Fácil, fácil qualquer um dirá que gosto não se discute. Fugindo do simplismo comodista da maioria eu diria, como muitos, que, sim, gosto não se discute, mas se lamenta. Ou seja, o que é bom, válido e agradável para uns, certamente, não o será para outros e, sem dúvida, jamais haverá o que agrade a todos.

Portanto, mesmo correndo o risco de afetar suscetibilidades de alguns, é impraticável discutir-se o que tenha algum valor artístico sem se enfrentar a difícil tarefa de analisar-se o que tenha ou não qualidade. Para que não se estenda muito essa indigesta tarefa, arrisco dizer que o que possui qualidade não é aquilo que tenha larga aceitação – até porque existe muita coisa ruim e que é extremamente popular – mas sim, aquilo que sobrevive a seu tempo e lugar de criação. Só o julgamento da história cultural é que pode, realmente, referendar o que de fato, tenha ou não um mínimo de qualidade.

Entretanto, partindo da experiência decorrente da análise do que já se acumulou no conhecimento humano ao longo das eras, certamente, é possível ter uma vaga noção – com razoável margem de segurança – que permita inferir que algo que nos seja contemporâneo tenha, em si, aspectos que lhe sejam inerentes e que levem à crença de que algo possui, realmente, algum valor consistente e qualidade livre de modismos.

Voltando a nosso foco específico, portanto, a criação artística literária é passível de razoável chances de identificação e, ainda, parte de processos variados, tanto quanto sejam as possibilidades da criatividade humana. Porém, imagino, é óbvio que todo processo de realização humana é analisável e passível de sistematização, de forma tal que se possa, minimante, reproduzir o que já existe, diversificar o que já foi feito e, ainda, promover a criação de variantes que, em si, são o dínamo propulsor da evolução humana.

Na seqüência, são apresentadas algumas reflexões sobre isso tudo.

III – Motivações para a arte escrita

Impraticável seria afirmar que é possível esgotar o rol dos motivos que podem levar alguém a criar artisticamente ou, no caso, produzir um texto. Contudo, nada impede que se façam alguns exercícios na busca de identificar, ao menos, alguns deles.

Como já se disse anteriormente, o pressuposto básico da criação escrita é que o produto final seja lido, caso contrário, não existiria razão de ser. Afinal, se a escrita é um meio de comunicação, não há o menor sentido lógico em imaginar-se que algo seja escrito se não for pelo motivo inevitável que haja a expectativa de leitura do que se escreveu.

Exploremos algumas possibilidades, a partir do foco de quem seja o destinatário da produção escrita.

Há quem escreva para si mesmo. Não se imagine que isso possa ser algum absurdo porque, mesmo sendo um meio de comunicação, não necessariamente se esteja querendo comunicar com algum outro ser. É perfeitamente provável que se criem textos como registros de momentos que se queira capturar, tal qual se faz com as fotografias.

É comum, por exemplo, a manutenção de diários que, depois de algum tempo, permitem que o “escritor” possa cotejar momentos diferentes em sua vida ou, ainda, simplesmente recordar de eventos que lhe foram marcantes. É uma forma, inclusive, de que alguém tente se conhecer melhor, para justificar as próprias posturas ou tentar, de alguma forma, modifica-las ou aperfeiçoa-las. Isso pode ser feito em volumes a isso destinados ou acumulados em papéis e papeluchos avulsos.

Existem os escritos que são criados visando um único e especifico destinatário. Cartas, por exemplo. Quantas e quantas obras magistrais não são, simplesmente, textos criados por alguém que quis dizer algo a outro alguém. Cartas, basicamente, são crônicas e, quando muito fantasiosas, podem ser até contos. Ninguém haverá de negar que um poema, eventualmente, também possa ser obra de um intento com tal fim. Mensagens pessoais em datas comemorativas também são um bom exemplo disso.

Há, também, os textos produzidos para atingir a um restrito grupo de pessoas. Familiares, grupos de amigos, de trabalho, de estudo etc. Não diferem muito, nesse sentido, daqueles textos criados para apenas um único destinatário.

Por fim, há as criações escritas destinadas a um público indefinido. São aquelas trazidas à luz e divulgadas para que sejam vistas ou descobertas por quem, indistintamente, delas tome conhecimento.

Alguém dirá que tais variantes não interferem no processo de criação e, certamente, isso não corresponde basicamente a uma verdade. Afinal, o ânimo de quem escreve, tenha consciência disso ou não, está diretamente vinculado à expectativa que tenha sobre o impacto do que irá criar perante quem vá ler o que foi escrito. Vejamos, por esse enfoque, algumas possibilidades.

Por exemplo, quem escreve somente para si pode despreocupar-se totalmente com juízos críticos alheios e, literalmente, soltar-se. Quem escreve para um destinatário específico espera que o que foi criado cause alguma reação também específica. Quem escreve para um grupo já parte da mesma premissa, mas tendo em vista um espectro maior de interesses. Por fim, quem lança seu texto no mundo tendo ciência que o acesso será, ou poderá vir a ser, irrestrito tem referências muito tênues dos resultados que isso possa causar no “público leitor”.

Independentemente de, por certo, algum texto visando um fim específico acabar tomando um rumo diverso do originalmente previsto, pode-se dizer que os níveis de autocrítica de quem escreve varia conforme sua particular expectativa de quem será ou serão as pessoas que tomarão contato com o que criou. Instintivamente, é comum que quanto maior seja a exposição que se pretenda, tão menor será a espontaneidade, porque o ser humano, por mais que crie máscaras e defesas, põe-se tão mais à vontade quanto maior for a intimidade da circunstância em que se exponha.

Outro fator relevante a ser considerado é a motivação emocional que leve um texto a ser criado. Vejamos, da mesma forma, algumas possibilidades.

Há quem escreva somente para desabafar. O papel – ou a tela, melhor dizer, hoje em dia – passa a ser o substituto do “ombro amigo”.

Se estiver escrevendo só para si mesmo, é uma questão de personalidade, porque aí tem-se quem, ao invés de falar sozinho e em voz alta, registra isso em palavras escritas. Se estiver escrevendo para outra ou outras pessoas está, obviamente, esperando que os destinatários reajam diante do que foi dito. Se for o ser amado, que tome conhecimento do que pulsa num peito apaixonado, por exemplo. Se for um grupo de pessoas, que se alinhem, compreendam ou se sensibilizem com o desabafo que foi feito. Se for para o mundo, indistintamente, é bem provável que o tal desabafo esteja procurando um verdadeiro “ombro amigo”, pois o texto é divulgado como uma mensagem de socorro dentro de uma garrafa lançada ao mar.

Há quem escreva para convencer, cooptar ou simplesmente buscar simpatia e solidariedade de outras pessoas. Não difere muito do desabafo, mudando apenas na assertividade que busca resposta positiva e não só a provocação de uma comoção qualquer que vá induzir à compaixão alheia.

Há quem escreva para, literalmente, aparecer. É fruto essencialmente de exibicionismo. Não se tomem tais palavras como uma forma de crítica sobre um aspecto negativo. Todo artista é um exibicionista, por excelência, seja lá qual for sua área de atuação. Contudo, quem pretende se exibir como fator primordial de criação escrita, fatalmente, acaba tropeçando num inibidor da criatividade, já que o foco estará totalmente voltado a buscar somente a atenção alheia. Quem se preocupa muito com o que os outros pensam, ou faz tudo para agradar muita gente, ou faz tudo para desagradar muita gente. Ambas as formas são maneiras de chamar a atenção.

Existem, também, aqueles que dizem algo porque imaginam que o que tenham a dizer simplesmente tem alguma relevância ou interesse por parte de outras pessoas. É irrelevante se o conteúdo seja, de fato, relevante ou interessante. O fato do escritor acreditar que isso possa existir é que interfere em seu processo criativo.

Por fim, há quem tenha reunidos todos esses fatores anteriormente mencionados: ânimo de expor desabafos pessoais; de promover a cooptação alheia a um determinado modo de ver as coisas; para expor seus pontos de vista, ideais e dotes artísticos; e, ainda, acredite na relevância do que tenha por ser dito. Creio, sinceramente, que isso tudo ocorre com quase todo mundo que tem o hábito de escrever, variando, talvez, a proporção que um ou outro fator tenha no conjunto.

Contudo, há quem, como todos, tenha esses fatores conjugados de acordo com seu modo particular de ser e, ainda, tenha um mínimo do que se possa chamar de “zelo literário”. Note-se que não se está dizendo que deva ter alguma explícita intenção literária. Por zelo literário entenda-se um mínimo de cuidado com a estética e o bom gosto.

Não se pretende, aqui, definir o que seja uma estética adequada e, menos ainda, o que seja ou não bom gosto. Isso se insere nas infinitas nuances que se multiplicam na liberdade de expressão humana.

O que se está chamando a atenção é que há quem, a partir de seu particular modo de ser, de fato se preocupe com a estética e o bom gosto – seja lá o que lhe vague no espírito como sendo tais coisas. A essa preocupação está-se, aqui, chamando de zelo literário que, na prática, corresponde a dizer que o ânimo criador guarda, por mínimo que possa ser, algum intento de que algo seja artístico.

IV – Das opções formais de criação

Entrando numa outra seara, há que se cogitar o que leva alguém a optar por um ou outro gênero literário e, ainda, dentro de cada gênero, qual modalidade desenvolver.

A quem opta pela prosa, resta definir se irá enveredar por uma criação ficcional ou não ficcional, se será narrativa ou dissertativa.

Quando a opção é pela poesia, fica em aberto a escolha sobre formas acadêmicas, modernas ou pós-modernas; realistas ou abstratas, objetivas ou subjetivas, metafóricas ou figurativas e, por aí vai.

Ainda, remanesce o enorme espectro de opções quantitativas, desde um minimalismo extremo, passando por textos pequenos, caminhando por algo mais ou menos extenso, até obras de grande porte.

Alguém dirá que tais opções são, essencialmente, decorrentes da personalidade e do gosto de quem escreve e, certamente, não estará dizendo nenhuma heresia – até porque isso é óbvio.

Quem, por natureza, seja mais inventivo, haverá de ter mais doses de ficção em sua obra. Quem, por natureza, seja adepto da síntese, haverá de ter uma maior tendência ao minimalismo. Quem, por natureza, seja mais subjetivo, haverá de enveredar por expressões poéticas com maior recorrência. A lista é tão variada quanto variada possa ser a própria natureza humana.

Contudo, há fatores que raramente são considerados por quem não se detenha sobre sua própria consciência criativa. Vejamos alguns.

Quem domina a prosa com proficiência tende a ter mais facilidade na hora de buscar opções de expressão poética. Ou seja, quem possui um vocabulário razoável, tem traquejo com questões ortográficas, variações léxicas, construções semânticas etc, sempre terá um repertório de opções muito maior para se expressar poeticamente do que quem está limitado pela deficiência em algum ou alguns desses aspectos.

Não é novidade que quem tem o hábito de ler muito, tende a escrever melhor. Ainda, quem tem o desapego de ler variados gêneros, enriquece suas próprias possibilidades de escrita. Por conseqüência, em sentido inverso, quem se fica adstrito à linguagem oral e a abordagens superficiais, haverá de sentir, eventualmente, alguma inibição no momento de expor suas próprias idéias e criações – por mais talentoso que possa ser.

Em outras palavras, como em qualquer atividade humana, quem busca mais variedade e informação tende a alavancar o próprio aprendizado e, quem aprende mais tende a dominar mais técnicas e, assim, também, quem domina mais técnicas tende a desenvolver opções variadas que possam servir de ferramenta à própria criatividade.

Portanto, além da personalidade de cada um e do gosto em particular que nutra, certamente, quem busca se aprimorar agregará muito mais opções que, certamente, influem no momento da opção pela forma do que pretenda produzir como criação sua.

Quem possui poucas opções, tende a reproduzir as mesmas formas à exaustão. Quem possui várias opções, tende a enveredar por variantes que servem de estímulo e meio de vazão à própria criatividade. Tanto em um caso, como no outro, a personalidade e o gosto do escritor sempre estarão presentes mas, daí, como pano de fundo ao que vier a criar e não como a única fonte de referência para sua criação.
V – Das opções de conteúdos de criação

Talvez, a definição do conteúdo de uma criação literária seja o aspecto de mais difícil análise. Penso que isso implicaria em tentar desvendar as insondáveis e infinitas profundezas da alma humana. Seria mais do que ambiciosa uma tal tentativa; certamente, seria utópica – e sou pragmático demais para, sequer, esboçar algo assim.

Só penso que algumas considerações podem ser feitas e que, imagino, talvez tenham alguma serventia para um exercício meramente reflexivo.

Toda expressão humana de natureza realizadora nasce, penso eu, de dois fundamentos básicos: vocação e talento.

Vocação é aquele “chamado” silencioso que alguém ouve a partir de seu objeto de interesse e que o atrai especificamente para alguma atividade. Diria, em termos bem coloquiais, é quando se identifica que alguém “tem jeito pra coisa”.

Talento é característica inerente ao próprio ser e que representa aquele conjunto de aptidões inatas que impliquem em desenvoltura natural de evidente eficácia para o exercício de determinada atividade.

Nada disso tem a ver com habilidade. Habilidade é questão de estudo e esforço; de técnica e exercício; de aprofundamento na teoria e aplicação na prática.

Nem todo mundo que possui vocação, possui talento para alguma coisa. O contrário, também, é verdade. Quem reúne os dois ao mesmo tempo, tem maiores possibilidades de sucesso naquilo que se lance a fazer. Se a isso agregar habilidade, então o resultado positivo é quase inevitável.

Por outro lado, quem desenvolva a habilidade com afinco, por certo pode superar, muitas vezes, gente com vocação e talento mas que não se dedica o suficiente. Ao menos na arte, o esforço nunca deixa de ser recompensado.

Voltemos a falar das opções de conteúdo numa criação literária, em específico. Quem escreve quer dizer algo. Portanto, é óbvio que melhor escreverá quem tiver o melhor a dizer. A questão é: o que é “o melhor a dizer”? Não há uma resposta que satisfaça total e inquestionavelmente a isso, contudo, há alguns indícios que possam ser de alguma valia.

Um atento observador sempre terá o que relatar, não interessa sobre o que se lance a dizer. Sempre notará novos detalhes, por mais que tudo pareça banal e corriqueiro aos outros. Sempre suprirá lacunas com algo novo, ou realinhando o que existe de uma nova forma. Sempre poderá fantasiar, quando a realidade que conhece não lhe socorrer. Sempre buscará no instinto e na intuição aquilo que a razão e o conhecimento não conseguem traduzir.

Ainda, é possível dizer que, quem imita, sempre aprende; porém, quem só maquia o que copia, deixando de acrescentar, além da maquiagem, algo de seu, não cria nada substancial. Tomar o que já existe como parâmetro é a essência do processo de acumulação do conhecimento humano; porém, criador é aquele que honra o que recebeu de sua cultura ancestral, mas deixando algum legado seu que também a enriqueça para os que virão.

A repetição é um exercício que aprimora a prática; contudo, a falta de variação embota e mata o espírito criativo. Fazer e desfazer; fazer de novo e novamente tornar a fazer e refazer; tudo isso torna criação e criador cada vez mais íntimos. Contudo, satisfazer-se no comodismo de nunca tentar algo novo, gera a estagnação e, daí, a intimidade se transmuta em modorrenta indiferença e, então, o casamento entre criador e criação tende a desembocar na monotonia.

Encerrando estes comentários sobre conteúdo, nunca é demais dizer que seria muito triste para o verde se todos gostassem do amarelo; e, ainda, que é absurdo que alguém diga que não gostou sem ao menos provar.

VI – Conclusão

Talvez haja quem diga que é uma perda de tempo ficar tentando desvendar o próprio processo de criação literária, por se tratar de uma grande tolice. Pode até ser que seja, mesmo. Afinal, dizem que o papel aceita tudo – apesar de que, sempre é bom tomar algum cuidado, porque dentro desse espírito, inventaram o papel higiênico.

Se, realmente, alguém não se importa com o resultado do que escreve, porém, tem satisfação pelo simples ato de escrever, não há motivos para ficar remoendo sobre seu próprio processo criativo. Nada há por ser recriminado, portanto.

Contudo, se alguém se importa, em maior ou menor grau, com o resultado daquilo que escreve, nunca é demais dedicar algum tempo para sondar como e porque isso acontece e, ainda, se for de seu interesse, procurar aprimorar-se para que tal resultado traga, não só a satisfação para quem escreve mas, ainda, algum alento para a expectativa de quem possa vir a ler.

Não se trata, portanto, de deixar-se induzir pela preferência alheia para definir o que e como se cria, mas sim, de demonstrar um mínimo de respeito e consideração com quem, de forma intencional ou não, venha a ter contato com o que foi criado.

Obed de Faria Junior
http://obed.zip.net/

quinta-feira, 8 de abril de 2010

O Passado e o Futuro dos Direitos Autorais

O passado e o futuro dos direitos autorais
Por Rafael Cabral

No meio de 2004, executivos da companhia japonesa NEC descobriram que andavam pirateando seus produtos e vendendo na China, e decidiram contratar alguém para investigar. Até aí nada de novo, um caso como tantos outros. A surpresa foi que a investigação da International Risk, especializada em coibir infrações de direitos autorais, não encontrou apenas alguns camelôs vendendo DVDs virgens falsificados ou pequenos grupos que usavam a marca, mas uma NEC inteiramente pirateada em Pequim. Com sede própria, investimento multinacional, publicidade nas ruas e executivos contratados que, além de ganharem bem, distribuíam o cartão da companhia a torto e direito pela cidade. Empresários piratas que, mesmo operando na ilegalidade, conseguiram gerenciar uma empresa gigante como a original.

O episódio, que abre o livro Piracy – The Intellectual Property Wars From Gutenberg to Gates, do historiador Adrian Johns, demonstra o nível de profissionalização que pirataria atingiu no século 21. ”A pirataria não engloba apenas o adolescente que baixa música no seu quarto, mas uma indústria global”, diz o pesquisador, que levantou a história das falsificações do século 17 até hoje.

Ao mesmo tempo, Johns acredita que “o argumento da democratização da informação, usado por piratas há séculos, agora se sofisticou”, principalmente por causa da “revolução causada pelas redes p2p”. O acadêmico da Universidade de Chicago acha que, “por causa das ferramentas que temos, esse discurso faz muito sentido”. Um defensor comedido de uma reforma nas leis de copyright no mundo, Johns conversou com o Link para uma matéria publicada na última segunda-feira (5). Abaixo você encontra a entrevista completa:

Como começou a pirataria? Quando esse ‘modelo de negócios’ foi criado? E qual o seu significado na época?
A pirataria é tão antiga quanto a escrita, e talvez até mais velha. Mesmo na Antiguidade, você pode encontrar falas de escritores, reclamando de interferências externas em outras obras e até de ‘roubos’ de ideias. Mas nem sempre essas questões sobre propriedade intelectual podem ser tomadas como pirataria. Na minha pesquisa, vi que os primeiros casos de pirataria começaram a acontecer no meio do século 17, na Inglaterra. Antes de 1600, essa prática era muito rara, se é que existia. Já em 1700, virou rotina. Seu surgimento provou que o mundo havia mudado, que não eram só algumas práticas rotineiras e casuais.

Tudo começou no mercado de livros. O ‘modelo de negócios’ era simples: pegar um livro de sucesso e reeditá-lo sem autorização, talvez com outra diagramação, em papel pior e com o texto simplificado. Essa reimpressão podia ser vendida por um preço bem menor que a original. Para outro público, que também se interessava mas não podia comprá-los. Já no século 18, encontramos piratas alegando que estão defendendo o interesse público, democratizando e barateando o acesso à cultura. O contraponto eram os oligarcas monopolistas que controlavam o mercado dos livros, que começaram a ser combatidos por essas pessoas.

Um pouco depois, a pirataria começou a se espalhar por todas as áreas e começou a briga, que dura até hoje, entre os piratas e os detentores do copyright.

Quais os grandes acontecimentos do nosso tempo, que podem mudar a maneira que pensamos sobre pirataria e direitos autorais?
São dois: a briga em torno do projeto Google Books e o furor por patentes nas indústrias de ciência e tecnologia (biopirataria, produtos farmacêuticos, genoma). O caso do Google retoma uma série de questões, levantadas há décadas, mas que não passavam de especulações. A maior delas tem a ver com fazer que o conhecimento produzido há milênios seja acessível no futuro. O plano do Google de digitalizar todo esse conteúdo e torná-lo acessível a qualquer lugar (e obviamente lucrar com isso), só tem o copyright como barreira. Se o caso for analisado pela Suprema Corte, pode ser tornar o mais importante caso de copyright na história dos Estados Unidos, com o potencial de acabar com uma noção que conhecemos por quase 250 anos.

Já com as patentes farmacêuticas, não há um caso específico, mas vários: todos que envolvam a chamada biopirataria. As controvérsias em torno disso vão moldar a maneira como a propriedade intelectual é entendida em uma economia globalizada. O assunto tem forte apelo emocional e político, porque quando comida e remédios estão envolvidos, a vida é colocada em risco.

O que mudou dos tempos de Gutenberg para os de Bill Gates? O que a internet significa na ‘grande história’ da pirataria?
A grande mudança foi a proliferação de mídia. Desde 1850, as tecnologias de arquivamento e replicação foram multiplicadas: fotografia, gravadores, rádio, fita, vídeo e agora arquivos digitais. Cada um desses desencadeou um tipo de pirataria e novas estratégias para combatê-la. Porém, o surgimento das redes p2p causou uma revolução. Com o digital, quase não há custo para copiar e distribuir. Além disso, mexe com questões como a privacidade, que protege os piratas, e esbarra nas legislações diferentes de cada país (com a internet, afinal, o país deixou de ser uma fronteira real). Ao mesmo tempo, ficou mais fácil monitorar a ação dos piratas. O futuro da pirataria surgirá da tensão entre esses dois extremos.

Já no conceito da pirataria, aconteceu uma evolução e não uma revolução. Os argumentos dos piratas de hoje são mais firmes, mais ideológicos. Com a possibilidade de copiar e distribuir tão rapidamente e pelo mundo todo, sem gastar quase nada, os piratas modernos parecem mais integrados ao ‘estado natural das coisas’. Se a informação quer ser livre, liberá-la parece fazer mais sentido do que aprisioná-la, principalmente com as ferramentas que temos.

A cultura digital é mesmo tão diferente, ao ponto de precisarmos de regras diferentes para lidarmos com ela? Ou você acha que essa coisa de pegar informações “emprestadas” fez, sempre, parte do processo criativo – e a tecnologia de hoje só facilita isso?
Acho que leis diferentes são necessárias, mas não só por causa do ambiente digital, mas porque todas as práticas das indústrias, principalmente as ligadas ao entretenimento, mudaram. Até é possível julgar a realidade com as regras que temos, mas não acho que é isso que vai acontecer. Acredito que novas leis vão ser criadas, adaptadas a essa nova realidade.

Não se sei se pegar (ou roubar) informação faz parte da natureza humana, mas é difícil imaginar uma sociedade em que as pessoas não o fazem (e se fizessem, não seria uma organização que chamaríamos de ‘social’, com certeza). Afinal, ‘roubamos’ algo em cada pequeno ato.

No seu livro, você diz que as batalhas entre a indústria do entretenimento contra Pirate Bay e Napster são muito similares àquelas que aconteceram no passado, e que “devemos fazer uso dessa experiência”. Qual a semelhança?
Essa retórica libertária que você na boca dos criadores do Pirate Bay não é, em nada, nova. Podemos ouvir as mesmas alegações na boca daqueles que defendiam os primeiros falsificadores de livros. Mas, apesar das repetições, o argumento deles continua válido. As práticas antipirataria, desenvolvidas a partir do Iluminismo, são repetidamente levadas longe demais.

Esforços para barrar a criatividade alheia – seja com livros reimpressos, sinais de rádio ou arquivos de mp3 – provaram-se contraproducentes. Principalmente porque sempre foram radicais demais, arriscando até direitos como o da privacidade. Com essa atitude, a indústria costuma provocar uma reação pior, para eles, do que era a pirataria que combatiam no início. É mais ou menos isso o que vemos hoje, com a indústria do entretenimento.

No século 17, as editoras tentaram chutar os piratas para fora de seu negócio, mandando fiscais inspecionarem toda e qualquer livraria. A resposta dos piratas foi tão grande e hostil que culminou, simplesmente, com o fim da noção de propriedade que existia até então – substituída hoje pelo copyright, que tem começo e fim.

Com o enrijecimento desse combate e com o policiamento do que as pessoas fazem na web, a indústria de hoje pode enfrentar algo semelhante – e ela mesma vai sair prejudicada. Existe a possibilidade, também, que a sociedade como um todo comece mesmo a acreditar que a propriedade intelectual só possa sobreviver se amparando nos valores de open source e cultura livre, pregados com o início da era digital. E se isso acontecer, não é difícil pensar que os políticos podem chegar a um consenso, repensando radicalmente a noção de autor, patentes. O que aprendemos com a História é que mudanças radicais podem ser acionadas por ações mundanas. Como baixar uma música.

“O confronto entre a pirataria e a indústria de propriedade intelectual”, você escreveu no livro, “pode acionar o gatilho de uma transformação radical na relação entre criatividade e comércio”. Pode explicar essa declaração?
Acredito a noção que temos de copyright e patentes fazia sentido na época que foi criada, durante a Revolução Industrial, mas não faz mais com o trabalho criativo de hoje. As patentes do genoma humano, por exemplo, parecem não caber na atual legislação, pois levantam um debate ético que pode levar a reavaliação do que esse ‘direito de autor’ quer dizer.

Além disso, a prática se tornou tão rotineira e o enrijecimento das leis tão drástico, com invasões da privacidade de milhares de cidadãos mundo afora, que uma hora a corda vai estourar. Mas não sei para que lado, pois também podemos ver a internet se fechando, sendo forçada a mudar a sua estrutura. Como isso seria feito, eu não sei, mas é possível que tentem.

Como você vê a ‘ética do remix’ que veio junto com a internet? O conceito de autoria mudou por causa dela?
Esse é um problema que qualquer arte que se apropria de outras enfrenta. E em alguns casos, o copyright pode acabar servindo de censura. Documentários podem ser proibitivamente caros em um mundo em que quase toda imagem tem dono. Porém, não acredito no fim da ideia que temos de um autor – afinal, alguém que faz um remix é também um autor. A internet vai acabar forçando que voltemos ao conceito original de copyright, que era extremamente justo e balanceado, sem a interferência das indústrias do entretenimento: um termo de 14 anos renováveis por outros 14, somente para o autor. Não me incomodo em pagar o autor, mas não acho justo que eu pague para seus netos e bisnetos, muito menos às empresas que são donas de seus direitos.

O comportamento dos nativos digitais, que já nascem baixando música e filmes, pode nos levar para essa renovação das leis?
Na verdade, o fenômeno do pirata enfurnado no próprio quarto é bem velho. No começo do século, adolescentes pirateavam partituras em casa. Em 1920, eles criavam as suas próprias rádios piratas. Em cada um desses casos, eles abraçavam uma ideologia anti-monopolista, “pela liberdade”. O que aconteceu quando eles cresceram, no entanto, não é um fenômeno simples. Em São Francisco, essas rádios viraram pequenas companhias que continuaram operando com um conceito anti-establishment – e foi esse o espírito que moldou o atual Vale do Silício. Outros amadureceram e esqueceram essas ideias.

Acho que o mesmo acontecerá com os nativos digitais: alguns manterão o mesmo espírito e podem moldar algo novo. Já a maioria vai se adaptar ao mundo. A questão é: Quanto do espírito da cultura livre eles vão reter? É impossível prever. Mas como as táticas de policiamento na internet se provaram inúteis, acredito que essa noção de que a “informação quer ser livre” pode se tornar um senso comum.

Como você vê o surgimento de Partidos Piratas pelo mundo? São as primeiras organizações políticas da geração do remix? Essas manifestações pelo ‘direito de ser pirata’ são novas?
É um engajamento político forte, mas não o primeiro. Para ver os pioneiros, você precisa olhar para as campanhas pró-radios piratas, nos anos 60. Mesmo nos anos 20, as rádios piratas já apostavam em slogans parecidos com os que vemos hoje, dizendo que os cidadãos tinham o “direito” de transmitirem o que quisessem, sem se importarem com propriedades e concessões.

Porém, eu não vejo os Partidos Piratas como sérios na defesa desses direitos, e acho que não serão um fenômeno duradouro. O futuro da política dos piratas será a assimilação por instituições políticas convencionais. É muito provável – ou inevitável – que esses partidos maiores, em menos de uma década, tenham que tomar posições fortes sobre a questão do IP e da privacidade na web. Da mesma forma que toda grande agremiação, por exemplo, hoje tem que falar sobre o meio ambiente. Os ‘verdes’ mostram o caminho que os piratas seguirão.

Partidos de uma causa só nunca serão muito influentes, mas podem ajudar que essas causas sejam incorporadas ao programa de partidos maiores. É um problema complexo. Lawrence Lessig, o grande defensor do Creative Commons nos Estados Unidos, mudou o seu campo de atuação para a reforma do sistema político norte-americano, e nós podemos ver a razão.

A pirataria, de alguma forma, cria novos mercados?
A pirataria tem uma grande força hoje simplesmente porque a informação se tornou o componente dominante da economia global. Tudo que envolva design faz parte da economia da informação, então a pirataria atinge quase todos os produtos, de motocicletas ao Pokemon.

Ela serve, sim, para quebrar monopólios e criar novos mercados. Aliás, algumas práticas são rotuladas como piratas justamente por quebrarem com o interesse de grandes corporações e das maiores forças econômicas. Grande parte da música pop não de hoje não existiria se respeitássemos todas as leis de direitos autorais. Os pioneiros do download, também, não teriam criado o modelo de negócio da música digital. Eles poderiam até criar uma alternativa sem corromper as leis, mas, sem a pirataria, nós nem teríamos conhecido suas ideias.


Abços
Claudia Nunes